Recensão de Pedro Miranda
A
condição adolescente
Apesar
de continuar a ser voz corrente e de a comunicação social, não raramente,
ajudar a amplificar a ideia de a adolescência ser uma época de crise para quem
a vivencia, em realidade, os estudos e a investigação, desde os anos de 1980,
têm demonstrado que a grande maioria dos adolescentes – 90%, segundo calcula
Daniel Sampaio – adora esse período da sua vida e vive-o de forma divertida.
Podemos
dizer, com a Organização Mundial de Saúde, que a adolescência termina aos 19
anos, mas especialistas há, em face das mutações cerebrais que se prolongam
para lá dos 20 anos, que pretendem situá-la até aos 24 anos. O cérebro
adolescente, cujo desenvolvimento apenas pôde ser estudado a partir de finais
do século XX – verificando-se, então, as profundas transformações que nele
ocorrem a partir dos 11/12 anos -, na sua maturação
em progresso permite-nos agora perceber as raízes (biológicas) de condutas
de risco adolescentes (quando, nestes, a região cerebral responsável pelo
controlo ainda não está completada) ou as dificuldades de discernimento, por
parte de alguns adolescentes, do impacto, nos outros, da sua forma de
comunicação, ou, ainda, certas reacções intempestivas e muito emotivas face a
um reparo alheio que lhes é dirigido. Diferentemente, “quando um
adolescente dá um murro num colega mais novo, não é certamente só por causa da
sua imaturidade cerebral. Ele sabe o que
está a fazer e quais as consequências possíveis do seu acto. Não pode servir de
desculpa o seu cérebro em desenvolvimento”.
Para
além de o discurso mais ou menos catastrófico sobre a adolescência não ter
grande adesão à realidade – pensem nos adolescentes à vossa volta, e em quantos
são assim tão tão problemáticos -, podemos notar com o Psiquiatra e Professor
Catedrático de Saúde Mental (agora jubilado), Daniel Sampaio, como outro mito
domina as narrativas sobre a adolescência: a falta de tempo de qualidade, dos
pais com os adolescentes, como base da falta de sucesso educativo. Estaremos,
neste âmbito, perante um mito, por duas ordens de razão: por um lado, o acordar, o fim de tarde, o jantar e
o deitar são momentos fortes, e
suficientes, para a comunicação, partilha, transmissão de valores, afecto
mútuo, entre pais e filhos; por outro, porque se tem observado casos em que em
se tendo optado por uma mãe, a tempo inteiro, em casa, estas, as mães, acabam,
mais cedo ou mais tarde, por se sentirem fatigadas e culpadas por qualquer
insucesso dos descendentes, ao mesmo tempo que solicitam a outros a autoridade
que não conseguiram conquistar junto dos mais novos.
Em
Do telemóvel para o mundo – pais e adolescentes
no tempo da internet, publicado agora pela Caminho, Sampaio acomete como principais objectivos de uma educação
bem-sucedida, no final da adolescência, coisas como o jovem saber resolver
sozinho as suas questões académicas ou profissionais; níveis adequados de
auto-confiança que lhe permitam superar momentos menos bons no estudo ou no
emprego; relacionamento sem ansiedade com estranhos; uma noção adequada do
risco; empatia para com os outros; uma noção de ética em todas as dimensões do
quotidiano, em especial nas relações interpessoais. A adolescência, uma
construção cultural, período de vida entre a infância e a juventude/idade
adulta, apenas com direito a um lugar específico, próprio, a partir do século
XIX, com as exigências de alfabetização, escolaridade obrigatória, resposta à
industrialização, é um tempo em que as preocupações com a sexualidade estão,
igualmente, muito presentes: ora, como assinala Daniel Sampaio, “as escolhas
sexuais terão de ser sempre escolhas morais”; em especial, convém que o início da vida sexual por parte dos jovens se dê de forma pensada, no
contexto de uma relação de envolvimento afectivo, em que as relações sexuais
sejam desejadas por ambos os parceiros. Na fase do «andar com» os pais devem falar do necessário respeito que uma
relação séria deve implicar; da permanente necessidade de reconhecimento dos
sentimentos do outro; da fidelidade inerente ao compromisso estabelecido; da
utilização muito reduzida de álcool; da preservação da intimidade da relação,
sobretudo em relação às redes sociais.
Finalmente,
a omnipresente tecnologia. Os adolescentes consideram o e-mail ultrapassado,
não marcam presença no twitter, e mesmo o tempo de entusiasmo com o Facebook parece
ter ficado para trás - porque nele passou a haver demasiados adultos,
demasiados familiares, demasiados professores. Não terá ficado completamente obsoleto, porque é utilizado para marcação
de eventos, em especial para perceber
a adesão que estes terão - e se vale a pena realizá-los (ou onde efectivá-los,
em função do número de likes). O Instagram, pelos vistos, é que está a dar, actualizado
sucessivamente, especialmente no feminino (com o pico das 10 da noite, hora em
que a maioria dos adolescentes está na net). Há pais que entram nas redes
sociais dos filhos através de «truques» tecnológicos "pouco éticos".
Em havendo, como deve haver, uma relação familiar de confiança, faz sentido os
pais perguntarem o que os filhos colocam nas redes sociais; no entanto, se os
progenitores nada questionam, mas espiam às escondidas para, a partir de aí,
proibirem saídas ou impedirem jogos na net, não estão a contribuir para esse
aumento de confiança mútua. "As novas formas de comunicação - refere o investigador - ao contrário do
que por vezes se afirma, podem ser importantes veículos de aproximação entre
pais e filhos. A partilha de uma foto, um sítio na internet que se acaba de
descobrir, um sms ou mensagem pelo WhatsApp a avisar para onde
se vai, são tudo oportunidades para estar mais perto, para educar e para
veicular valores. A conversa formal entre pais e filhos, típica da juventude
dos avós dos adolescentes de hoje, tem de ceder o lugar aos diálogos de pequena
duração, tantas vezes imprevistos e improváveis, mas que podem ser carregados
de significado”.
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